Existem 410 mil processos pendentes de imigrantes, a grande maioria são Manifestações de Interesse. O que se passou para se chegar aqui? Como se explicam estes atrasos e pendências? Quais são as principais dificuldades vividas na agência? Manuela Niza Ribeiro, ligada ao SEF desde 2007, representa o novo sindicato da AIMA – o Sindicato dos Técnicos de Migração – e em entrevista à CNN Portugal traça-nos um quadro do antes, do agora e do que se espera para o futuro. Os funcionários “sentem-se perdidos” e estão “cansados do desnorte interno e externo”, até porque “existe falta de comunicação interna” e “falta de rumo”, explicou à CNN Portugal.
A “falta de pessoal especializado e meios informáticos” e a “degradação da estrutura documental a todos os níveis”, nos últimos anos, são os aspetos que mais se destacam, segundo Manuela Niza Ribeiro, mas não só. Nos dias de hoje as “manifestações de interesse” talvez não se justifiquem e aumentam “as pendências”.
O número das 410 mil pendências foram avançados pelo próprio presidente da Agência para a Integração, Migrações e Asilo, na Comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Goes Pinheiro admitiu que “independentemente de serem 300 mil ou 400 mil” são “número muitíssimos significativos”. E deixou um alerta, “não basta resolver problemas do presente”, mas assegurar uma “capacidade [à AIMA)] para que, de forma elástica, responda às variações de procura que muitas vezes são súbitas”. Tal como, é necessário assegurar recursos tecnológicos que “permitam escalar a resposta”, pediu.
Manuela Niza Ribeiro chegou ao SEF em 2007 e permanece na AIMA. São 17 anos que lhe dão um vasto conhecimento da instituição e da área.
Quais são as principais dificuldades vividas dentro da AIMA?
A AIMA nasceu após um período demasiado longo que se seguiu à extinção do SEF. Durante esse tempo assistiu-se a uma degradação da estrutura documental a todos os níveis, sobretudo a nível informático. Neste momento, podemos dizer que existem dificuldades materiais – falta de pessoal especializado e meios informáticos – e constrangimentos de identidade. E esta questão da identidade, deve-se ao facto, por exemplo, de terem juntado duas estruturas numa só e com a mesma função: a área documental do SEF e os funcionários do Alto Comissariado para as Migrações. Não deram formação ou, sequer, explicaram a ambas quais eram as suas funções anteriores.
Os funcionários não foram consultados em toda esta reestruturação e perderam a noção de pertença. Sentem-se perdidos, sem orientação e, sobretudo, pressionados. Não vislumbram um futuro que lhes seja favorável e sentem que perderam identidade e respeito junto da opinião pública e do poder político. Por isso, não surpreende que muitos peçam para sair.
Há falta de comunicação a nível interno? Falta de rumo? Sentem que ainda estão a viver um período experimental?
Com menos dum ano, naturalmente, que nos encontrarmos em período experimental. Sim, há bastante falta de comunicação interna. É, aliás, uma das questões mais realçadas por todos os colegas que temos contactado. A falta de rumo prende-se com a falta de estratégia e duma política clara que aponte o caminho e os objetivos a atingir. Neste momento, um dos grandes problemas é que a Agência ainda não conseguiu envolver todos os funcionários, fazer uma grande equipa.
Como está atualmente o espírito dos funcionários da AIMA?
Perplexos, desiludidos, magoados com a imagem que se pretende dar da sua ação, e sobretudo cansados do desnorte interno e externo.
Ainda há muitos funcionários a querer sair?
Fala-se em cerca de 100 funcionários, o que no universo da AIMA é um rude golpe. Mas tememos que sejam bem mais.
Do plano apresentado pelo atual Governo quais são os pontos positivos que destaca?
Muito embora a esmagadora maioria dos pontos apresentados reflitam meras intenções e não abranjam todas as áreas do panorama migratório português (pouco ou quase nada é dito sobre a adoção do Novo Pacto Europeu para a Migração a respeito do tratamento do Refúgio e Asilo), há duas decisões que são de louvar.
A primeira tem a ver com a decisão em acabar com as ‘Manifestações de Interesse’. Com efeito, estas tiveram o seu papel perante a situação que se vivia no final da primeira década deste século, em que tínhamos no nosso país, e à mercê de todas as violências, imigrantes indocumentados por clara incapacidade de resposta por parte do Estado. Estes milhares de pessoas contribuíam para o sistema social sem qualquer proteção e sob a ameaça de retorno compulsivo aos seus países de origem por se encontrarem irregulares. Estamos a falar de pessoas perfeitamente inseridas no mercado de trabalho, algumas aqui a morarem há décadas e sem documentação.
Nesse momento, as ‘Manifestações de Interesse’ foram duma enorme importância. Porém, como temos muita dificuldade em lidar com as palavras, nunca se lhe quis chamar ‘regularização extraordinária’, embora ela fosse essencial e duma justiça indiscutível. Como tal, não se lhe quis colocar uma data-limite como é feito sempre que algo é extraordinário. Resultado? Duma boa medida resultou um mau procedimento.
Acabar com esta situação é evitar que as pendências continuem a crescer a um ritmo impossível de acompanhar. No entanto, esta solução tem um lado perverso e embora a acolha com satisfação, preocupa-me caso não seja acompanhada do segundo ponto que me parece essencial: o reforço dos postos consulares de forma a permitir canais de imigração regular.
Claramente que as Manifestações de Interesse não poderão acabar da noite para o dia. Há que ter um hiato transitório de tempo. Mas o caminho é, sem dúvida, esse.
Já existe uma task force dentro da AIMA focada nas pendências além da estrutura de Missão que o Governo quer criar. Tem ideia de quantos processos já foram despachados?
Sim, existe. Foi uma das primeiras decisões deste Conselho Diretivo, que saudamos. Não posso dar números concretos. O que posso dizer é que foram estabelecidos objetivos mínimos para cada funcionário que estão a ser cumpridos com grande eficácia.
Aliás, a este propósito, quando o ministro fala duma estrutura de Missão e que nela quer incluir antigos inspetores do SEF dá uma nota de falta de confiança no trabalho árduo dos funcionários. Estes herdaram um fardo de pendências que, na esmagadora maioria reportam às tais Manifestações de Interesse que estiveram até quase à extinção do SEF sob a responsabilidade de tratamento, incluindo documental, da carreira policial que, evidentemente, não estava motivada para tal e tinha outras atribuições.
Como vai a tutela articular essa estrutura de Missão com o que já existe, em que moldes e sob que direção é algo que ainda está bastante nubloso.
Foi formado um novo sindicato dentro da AIMA. O que levou a essa decisão se já existia um?
Para dizer a verdade não temos a certeza que exista. Por um lado, o SINSEF (Sindicato dos Funcionários do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) não pode existir uma vez que o SEF foi extinto. No entanto, em comunicações internas ainda se apresenta com esta nomenclatura, muito embora para a comunicação social apareça como Sindicato dos Funcionários da AIMA. Ora, tanto quanto sabemos (e agradecemos a correção no caso de equívoco,) não existiram alterações aos Estatutos do antigo sindicato, não foram eleitos novos corpos dirigentes nem publicada nova estrutura. Como tal, em boa verdade não sabemos se existe.
Independentemente da sua existência, e após a auscultação dos funcionários concluímos que havia uma certa desilusão e descontentamento acompanhado dum sentimento de desproteção. Desde logo porque a Direção do SINSEF tem dois diretores de Departamento. Ora se bem que a legalidade de tal é discutível, eticamente não parece adequado e cria um certo clima de desconfiança.
O nosso sindicato aparece devido a toda esta situação e, ainda, perante o facto de termos ao serviço da estrutura da AIMA um número muito significativo de funcionários de “outsourcing” – os Mediadores Culturais – que não têm qualquer proteção. Ao criarmos o Sindicato dos Técnicos de Migração pretendemos representar todos quantos trabalham na área das migrações, independentemente dos seus vínculos laborais ou da estrutura a que pertençam.
O que esperam para o futuro?
Definição, reconhecimento concreto da especificidade das nossas funções, estabilidade e respeito.
Fonte: CNN Portugal