Advogado Leandro Cunha

Inspetores da PJ denunciam risco para a investigação criminal com novas regras da AIMA

AR CPLP aceites até 30 de junho de 2024

A Agência para a Integração, Migrações e Asilo “agilizou” a resposta às manifestações de interesse dos requerentes de visto de residência que paguem antecipadamente as taxas. A investigação criminal não tem acesso às informações dos processos, onde podem constar empresas de fachada usadas por redes criminosas.

“A falta de acesso, ou o acesso limitado à nova base de dados limitará de forma muito séria a investigação criminal, vindo a acrescentar dificuldades no acesso à informação”, declara ao DN Rui Paiva, inspetor da Polícia Judiciária (PJ) e presidente do Sindicato dos Profissionais da Investigação Criminal (SPIC), herdeiro do extinto sindicato da carreira de investigação e fiscalização do SEF.

Em causa está a nova “base de dados” das manifestações de interesse dos requerentes a autorização de residência que, como anunciou a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), vão ver os seus processos acelerados pagando antecipadamente as respetivas taxas (o custo é de 91,46 euros).

Os estrangeiros com a taxa paga receberão um link via e-mail para um novo portal que será lançado em breve pela AIMA. Estes processos contêm informação, como contrato de trabalho, atestados de residência, inscrição na Segurança Social e na Autoridade Tributária – documentos obrigatórios para obtenção do título de residência – que são do interesse da investigação criminal.

O SPIC questiona se a PJ terá acesso ao novo portal. “Se não tiver, a investigação não faz a mínima ideia da forma como os cidadãos estrangeiros se legalizam, eventualmente através de empresas simplesmente constituídas para legalizar imigrantes e sem qualquer atividade comercial. Quem paga passa para uma plataforma especial. Isso é política administrativa, não contestamos, mas essa nova plataforma tem de ficar ao dispor da PJ. A importância prende-se, sobretudo, com o facto de ser necessário verificar as eventuais empresas que se encontrem sob investigação, os eventuais descontos fraudulentos que suportem a presunção de entrada legal em território nacional, entre outras eventuais práticas criminosas. Ninguém nos deu nenhuma indicação sobre a forma como se vai processar a legalização”, lamenta Rui Paiva.

A utilização de empresas de fachada para regularização imigrantes tem sido o método mais utilizado pelas organizações criminosas e já referenciado em despachos de acusação sobre esta criminalidade.

Existia no SEF uma base de dados com um registo das empresas sob suspeita, que ia sendo alimentada pela investigação criminal – a LER (Lista de Empresas Referenciadas) – mas como a AIMA não tem essa competência isso deixou de ser feito e com este novo portal a situação pode agravar-se.

Oportunidade para as “máfias”

No limite, a AIMA pode estar a emitir vistos de residência com base em contratos de trabalho de empresas investigadas pela PJ, sem o saber, nem a própria PJ a poder alertar. “Pode-se estar a dar ainda mais oportunidades às máfias que lucram com a exploração dos imigrantes”, assinalou ao DN um dirigente da PJ que subscreve as preocupações dos inspetores.

Rui Paiva sublinha ainda a importância de haver esta articulação entre a AIMA e a PJ para a proteção dos próprios migrantes. “Pelas características especiais que apresentam, os migrantes precisam de proteção acrescida, como por exemplo a proteção policial contra redes de tráfico de pessoas e redes de auxílio à imigração ilegal. Essa proteção tem de ser feita de forma integrada. Parece óbvio que só assim se pode proteger de forma eficaz quem procura o nosso país para viver. Condicionar acesso á informação não é de todo desejável, dificulta a proteção dos migrantes e Investigação criminal”, conclui.

Em fevereiro passado, conforme o DN noticiou, os inspetores da PJ alertaram para o facto de este corpo superior de polícia, que é responsável por todas as investigações relacionadas com auxílio à imigração ilegal e tráfico de seres humanos, ter um acesso muito limitado ás bases de dados que transitaram do SEF, sejam as policiais, sejam as administrativas, como a das manifestações de interesse.

Questionado sobre qual é a situação neste momento, Rui Paiva remete para as recentes declarações do seu diretor nacional, Luís Neves. “O acesso integral da PJ às bases de dados é fundamental, necessário e imperativo. Subscrevemos na íntegra o que disse o Sr. diretor nacional”, salienta o dirigente sindical.

À margem da cerimónia dos 113º aniversário da GNR, na passada sexta-feira, em resposta aos jornalistas, Luís Neves afirmou que a PJ tem acesso “a algumas bases de dados de forma indireta”, sublinhando que o seu “desejo”, tendo em conta o que “o legislador determinou na organização de investigação criminal no tráfico de seres humanos, no auxílio à imigração ilegal, no crime organizado” é ter “no mais curto espaço de tempo possível, acesso direto a essas bases de informação, porque esse é um incentivo à investigação”. Para o chefe máximo da PJ “as bases de dados são cruciais” para poderem fazer o seu trabalho, manifestando a sua convicção de que serão apresentados melhores resultados na investigação deste tipo de crimes.

Falhas na Lei de Estrangeiros

A AIMA refuta as críticas. “Na sequência de um pedido da Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros (UCFE), recebido a 29 de abril passado, foi alargado a cerca de 1300 o número de agentes da PJ  que têm acesso às bases de dados consideradas relevantes para a investigação criminal”, diz fonte oficial.

Esta informação não foi confirmada pelo SPIC. “Até ao momento (final do dia de sexta-feira), desconhecemos”.

Em recentes despachos de acusação relacionados com esta criminalidade, tanto a PJ como o Ministério Público (MP) têm sinalizado falhas na Lei de Estrangeiros que facilitam a vida às organizações criminosas. É o caso dos artigos 88º e 89º, o mais utilizado nas manifestações de interesse e que tem permitido regularizações “em massa”, apesar de só dever ser utilizado em situações excecionais.

No entanto, como sinaliza o MP num recente despacho de uma investigação com 15 acusados e, pelo menos, 6000 vítimas, o sistema SAPA (Sistema Automático de Pré-Agendamento) do ex-SEF – atualmente gerido pela nova AIMA – “não faz qualquer consulta de segurança à informação que é carregada pelos particulares, nomeadamente no que concerne ao registo criminal ou medidas inseridas no Sistema de Informação Schengen (SIS II), designadamente as emitidas por outros países Schengen, designadamente para efeitos de não admissão em espaço Schengen”.

A rede criminosa em causa identificou as fragilidades/facilidades da Plataforma SAPA e tem subvertido e tirado partido das alterações legislativas à Lei 23/2007 de 04 julho, nomeadamente da introduzida pela Lei n.º 102/2017 de 28 agosto, que retiraram o caráter extraordinário do pedido de concessão de autorização de residência (…) transformando-o num procedimento administrativo normal, desburocratizado e livre de controle, sem conseguir detetar as ilegalidades cometidas”, alertou o MP.

Esta alteração legislativa, recorde-se, foi feita já pelo governo PS, com Constança Urbano de Sousa como ministra da Administração Interna e teve um parecer negativo do SEF, resultando na demissão da então diretora nacional, Luísa Maia Gonçalves.

Fonte: DN

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